quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cores

De um jeito romântico, estava sentado no cemitério sentindo cheiro de Lord Byron, enquanto minhas lágrimas apostavam corrida com a chuva, e ainda não sei quem ganhava.

Vi as flores brancas que colhi para celebrar nosso funesto noivado. Vi sua foto, preto e branca, bela como sempre lembraria.

Ao levantar os olhos de tão fúnebre contemplação, as flores, antes matrimonialmente brancas, estavam cinzas, e não só as flores, as árvores, a terra, os túmulos, minhas mãos, tudo. Não conseguia mais distinguir cores, passei a viver dentro da televisão de antigamente.

Engraçado o mundo sem cor! É viver dentro de uma fotografia séria; passar minutos esperando, até cansar de sorrir, para finalmente ter seu rosto estampando na eternidade de um papel, com feições rígidas do cansaço. Acho que vivi sorrindo com você todos esses minutos, e agora era hora de viver a realidade nas cores que ela é.

Mas não! Não era isso que eu queria! Eu queria as cores, sentia saudade do azul! Mas o que seria do amarelo? Sentia saudade de todas as cores, menos do preto e do branco, que se resumem em cinza, pois era só eles que eu conseguia ver.

Lutei, corri, gritei. Clamei para que as cores voltassem pra mim. Chorei para ver se as lágrimas lavariam meus olhos (ou minh’alma). Não consegui.

Queria o céu, o sol, a lua, a grama, as flores, as folhas, você. E não tinha nada disso.

Percorri o caminho cor-de-mímica até chegar em casa, as pessoas que passavam ao meu redor, olhavam-me com misericórdia desbotada, e falavam em sanatório. Cheguei em casa, sem saber o que fazer, e vi uma de suas bonecas que chorava um chorinho manso de neném; peguei o falso neném, objeto de trabalho de crianças escravas aprendendo a ser mãe, cortei-lhe o ventre, com uma tesoura (bisturi) e achei seu choro, achei o saquinho que fazia o neném sentir fome e rapidamente ser saciado com comida imaginária. Peguei o Saco de Choro, joguei no chão, pisei, joguei na parede e esperei escorrer sangue.

Não escorreu sangue.

E vagarosamente, as cores foram retomando ao meu olho, uma por uma, primeiro o verde, azullilássalmãocresmeraldamarelolivazul, bem frouxamente, fui voltando às cores.

Quanta felicidade, meu amor! O mundo inteiro voltou aos meus olhos.

Menos você.

Precisei tirar a chance de choro de um neném, precisei ser mau! Ou bom, já que o neném não terá mais como chorar. Acho que preciso mesmo de um sanatório, hospício, ou manicômio, tanto faz.

Mas Deus que me livre de uma casa de doidos! Que de doidos já bastam todos esses normais.