terça-feira, 16 de novembro de 2010

8 Anos

Nikolai corria por aqueles campos da Ucrânia, suas pernas eram tão finas que pareciam quebrar a cada passada, sua família era pobre, não era sempre que tinha comida na mesa, e essa era a resposta da sua magreza.

Ele sempre ia brincar sobre aqueles escombros, e se divertia sozinho por ali. Seu pai dizia que ele não podia, mas o lugar era silencioso, e ele gostava disso.

Nikolai não tinha amigos da mesma idade. Naquele lugar tinha poucas crianças, e as poucas que tinham, não saiam de casa, só o menino das pernas finas e olhos esbugalhados tinha coragem de sair. Portanto, ele inventava seus próprios amigos, tinha três, e dedicava cada dia para um, se não eles brigavam, e ele ficava triste quando seus amigos brigavam.

O menino percorria as pedras e os destroços com uma felicidade tão boba e inocente. De quando em quando algum adulto ia brigar com ele, e dizer que ali não era lugar pra brincar, mas ele se escondia atrás de algo grande, respirando baixinho e segurando a mão do seu amigo que só ele conseguia ver. Quando a certeza de que o homem já tinha ido embora o invadia, ele olhava pro seu amigo, sorria, e saia gritando “LIBERDADE”. O pobre Nikolai não viveu o suficiente para descobrir o que era liberdade.

Ao entardecer, ele voltava pra casa, sempre tinha o que comer, porém às vezes ele realmente comia, e às vezes ele fazia um belo bufê com seu amigo imaginário. Seu pai trabalhava até os ossos saírem do lugar em uma indústria, e a mãe havia morrido quando Nikolai nasceu. Ninguém nunca o culpou de ter causado a morte dela, mas o pequeno menino via isso nos olhos do pai, e fingia acreditar que era só o cansaço.

Em uma bela tarde fatídica, com um sol avermelhado, meio encoberto pela poeira acinzentada do lugar, Nikolai achou uma pedra dentre as demais, mas essa era especial, ela brilhava, seu companheiro do dia disse que brilhava mais que o sol, portanto era ouro, o menino acreditou no amigo e ficou tão feliz por ter achado ouro que até chorou. Em sua pequena mente, viu uma vida melhor para ele, para o pai, e até para as outras crianças, que nunca saiam de casa. Só uma pedrinha de ouro salvaria a todos. Pegou seu tesouro, guardou no bolso, e voltou pra casa.

Hoje era dia de inventar o que comer, ele fez maravilhas culinárias, e até lambeu os dedos, sem tirar o sorriso do rosto. O pai não voltou pra casa naquela noite, e o pequeno já sabia que ele deveria ter parado em algum bar para embebedar-se e fingir esquecer-se de toda a dor do dia, do mês, e de toda a vida, afinal, eles sempre fingiam fingir.

O menino de pernas finas tirou seu tesouro do bolso, admirou mais uma vez, deu um beijo, guardou embaixo do travesseiro, e foi dormir pensando em todo o bem que faria, já que ele era o homem mais rico da Ucrânia.

No dia seguinte, Nikolai não acordou na hora, nem nunca mais acordou. A doce e inocente criança, que salvaria todo o mundo com sua pepita de ouro foi enganada pela maldade dos campos em que passeava. A sua pedrinha, na verdade era um resto de algo nuclear, daquele lugar que Nikolai brincava, por ter posto aquela pedra, mais radioativa que uma máquina de raio-x,embaixo do travesseiro, a fraqueza do corpo do menino não agüentou a radiação, e ele morreu na mesma noite.

Chamavam o lugar que Nikolai brincava de Chernobyl.